Flutuação terapêutica: a ciência da privação sensorial


Jenn-8

Flutuar sem esforço em um tanque escuro de água a temperatura ambiente, usando fones de ouvido e nada mais. A flutuação terapêutica, ou terapia da privação sensorial, é uma nova moda que promete benefícios de saúde tão diversos que vão de relaxamento, sentidos aguçados até diminuição de dor. Mas o que a ciência tem a dizer sobre isso?

A terapia

Já popular nos EUA, o tratamento existe no Brasil em alguns lugares. Mas por que alguém iria voluntariamente se privar dos seus sentidos?

Embora isso soe ruim, o contrário é que não é uma sensação boa. A superestimulação dos sentidos, ou sobrecarga sensorial, é protagonista de histórias de horror como a “lavagem cerebral” de prisioneiros durante a Guerra da Coreia, e pode ser usada como um método de tortura psicológica (submetendo pessoas a ruídos e luzes constantes, por exemplo).

Já uma análise de 1997 com mais de 1.000 descrições de privação sensorial indicou que mais de 90% dos indivíduos ficaram profundamente relaxados nesse estado.

Hoje, os dois métodos de privação sensorial mais frequentemente utilizados são o feito em uma câmara, que envolve o participante deitar em uma cama em um quarto escuro à prova de som, e a flutuação terapêutica, que envolve o participante flutuar em um líquido salgado em um tanque escuro à prova de som.

No caso da flutuação, a água saturada de sal é aquecida à temperatura da pele. Firmar-se na água até que ela se acalme pode causar um pouco de desorientação, mas logo a pessoa não deve mais sentir a água.

O sistema vestibular no ouvido interno contribui para o senso de orientação espacial e, junto com a propriocepção – o sentido das posições relativas das partes do corpo -, permite uma percepção global da nossa posição, aceleração e movimento no espaço. Sem “dicas” externas, o participante pode sentir que seu corpo está girando como os braços de um relógio; a ilusão pode ser forte a ponto de provocar náusea, mas deve passar rápido.

A observação reconfortante de que a experiência pode ser terminada quando o participante quiser tende a diminuir sua ansiedade.

Privado de estímulos externos, o cérebro gera o seu próprio. Geralmente, partes do campo visual da pessoa se iluminam em formas irreconhecíveis, o que eventualmente pode se transformar em manifestações mais complexas, como pontos, linhas e padrões. Cientistas já foram capazes de capturar tais alucinações visuais no cérebro de pessoas durante privação sensorial. Em 2000, um desses estudos descobriu que os córtices visuais dos voluntários se tornam mais ativos depois de menos de uma hora de privação visual.

Alucinações também podem ocorrer em outros domínios sensoriais. Algumas pessoas podem experimentar alucinação auditiva, ouvindo sons como um fonógrafo distante ou batidas simples (sem reconhecer qualquer uma dessas músicas, já que o cérebro pode as gerar espontaneamente).

Benefícios mentais

Alguns dos trabalhos do Dr. Peter Suedfeld, psicólogo pioneiro no campo, sugerem que a flutuação terapêutica facilita a criatividade. Um pequeno estudo com cinco professores universitários descobriu que seis sessões de flutuação de 90 minutos lhes permitiu gerar mais “ideias criativas”. Da mesma forma, em um estudo com 40 estudantes universitários, uma hora de flutuação aumentou sua pontuação em um teste padronizado usado para medir a criatividade.

No entanto, outro efeito muito melhor pesquisado da terapia é que ela melhora o desempenho em uma variedade de tarefas esportivas e musicais que exigem elevados níveis de concentração e coordenação visual-motora, como basquete, tênis, arco e flecha e jazz.
Em uma amostra de 13 alunos de jazz, quatro sessões de flutuação terapêutica melhoraram seu desempenho técnico até uma semana após a última experiência, o que sugere a possibilidade de benefícios duradouros.

Suedfeld especula que a flutuação pode aumentar a criatividade e desempenho de um modo semelhante ao sono ou à meditação. Durante estados de descanso, o cérebro repetidamente ensaia habilidades recém-adquiridas e consolida conhecimentos obtidos para armazenamento de longo prazo.

Alguns estudos também têm demonstrado que o cérebro em repouso é particularmente adepto de sintetizar informações de uma ampla gama de áreas para resolver problemas difíceis.

No entanto, em comparação com o sono ou meditação, esse estado de descanso é mais facilmente atingível sem formação prévia ou esforço consciente por meio de flutuação (mais tarde, avanços nas técnicas de imagem cerebral podem ajudar os cientistas a entender como esses estados se comparam em um nível neurológico).

Benefícios físicos

No início de 1980, um grupo de psicólogos da Faculdade de Medicina de Ohio (EUA) deu início a uma série de experimentos para estudar as respostas fisiológicas da privação sensorial. Tanto dentro como entre as sessões de flutuação, a pressão arterial e os níveis de hormônios relacionados ao estresse caíram nos voluntários, efeitos que persistiram por muito tempo após a cessação da última experiência.

Em 2005, uma meta-análise confirmou ainda que a flutuação terapêutica foi mais eficaz na redução do estresse do que outros métodos populares, como exercícios de relaxamento.

Estes resultados levaram os pesquisadores a investigar se a flutuação poderia ajudar pacientes com transtornos relacionados ao estresse. O tratamento foi utilizado como uma intervenção primária para doenças tão diversas como hipertensão, dores de cabeça, insônia e artrite reumatoide. Todos os estudos mostraram efeitos positivos em amostras de pequenas dimensões.

Os participantes que sofriam de dor crônica intratável particularmente se beneficiaram das sessões semanais: o seu nível de dor percebida caiu, o sono melhorou e eles relataram se sentir mais felizes e menos ansiosos.

Então devo fazer?

Não há dúvida de que a pesquisa científica mostrou alguns benefícios da flutuação terapêutica. Ainda assim, esses resultados não são definitivos, principalmente porque os estudos foram geralmente pequenos. Também, não é claro o que conta como “controle experimental” adequado para a flutuação. Atividades diárias? Não fazer nada?

Sejam quais forem as verdadeiras vantagens dessa terapia, ao menos relaxante ela realmente é – a maioria das pessoas que a experimentaram de fato relataram uma sensação de descanso. Não custa tentar. [Discover, MdeMulher]


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