Quase metade dos 51 senadores que declaram que a presidente Dilma Rousseff deve ser afastada por cometer crimes contra o orçamento liberou a petista para gastar além do que o Congresso Nacional havia autorizado.
Levantamento da Folha mostra que 24 senadores votaram em 2014 ou em 2015 a favor da mudança da meta fiscal prevista na lei orçamentária. Nesses dois anos, o Congresso aprovou orçamentos em que o governo deveria fechar o ano com um superávit primário (receita menos despesas, descontado o pagamento de juros) superior a R$ 150 bilhões.
A mudança autorizou Dilma a fazer o oposto: dois déficits que somados chegaram a R$ 137 bilhões. Assim, a presidente pôde pagar as despesas com que o governo se comprometeu, aumentando o endividamento do país.
A autorização legislativa para mudar a meta é um dos argumentos do governo para desqualificar uma das duas denúncias em que Dilma foi enquadrada no processo que levou a aprovação, na Câmara, de seu processo de impeachment: assinatura de decretos de suplementação orçamentária no ano de 2015.
Os acusadores apontam que esses decretos foram ilegais porque, quando assinados, o governo já sabia que não conseguiria fazer a economia prometida para o pagamento de juros, por isso encaminhara projeto de lei para alterar a meta.
Para eles, suplementação pode ser feita por decreto quando o governo está com as receitas em linha com o esforço fiscal. Sem essa premissa, a suplementação precisa de autorização do Congresso, o que não ocorreu.
Esse também é o entendimento do TCU (Tribunal de Contas da União), mas no caso ocorrido em 2014. O de 2015 ainda não foi julgado.
A denúncia fala que os atos ocorreram em 2014 e 2015, mas o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), só aceitou a denúncia em relação a 2015. Entre os vários argumentos de defesa, o governo diz que os decretos não alteram a meta fiscal do ano e mesmo que alterassem, o Congresso ratificou o ato de Dilma ao mudar a meta.
O relator do processo na Câmara, Jovair Arantes (PTB-GO), ao analisar o argumento do governo, disse que o envio de projeto de lei mudando a meta não afastaria a necessidade de aguardar sua aprovação para a abertura de despesa nova com os decretos. Por isso, considerou que a presidente cometeu crime de responsabilidade ao assinar os decretos.
SESSÃO
Em 3 de dezembro 2015, quando a nova meta foi votada, Arantes era líder da bancada de quatro partidos (PTB, PP, PSC e PHS) e nem chegou a mencionar tal fato. Durante a sessão, atuou para convocar "com urgência" seus deputados para aprovar a mudança. A nova meta foi aprovada por 314 deputados e 46 senadores.
Um dos deputados, o presidente Eduardo Cunha (PMDB-RJ), não pode repetir seu voto dado em 2014 para aprovar a nova meta fiscal. No momento da votação, ele chegava ao salão verde da Câmara para anunciar que estava abrindo o processo de impeachment da presidente baseado em sua suposta irresponsabilidade fiscal.
Dos deputados que aprovaram a mudança, 179 votaram pelo impeachment. Entre os que votaram pelo impedimento da presidente e aprovaram a nova meta está o Hugo Leal (PSB-RJ), relator do projeto que alterou o esforço fiscal de 2015.
Na época, Leal criticou a oposição que apontava ser irresponsabilidade aprovar a nova meta quando o TCU já havia reprovado as contas de Dilma em 2014 pelos mesmos motivos, citando inclusive os decretos de suplementação.
"Acho interessante que hoje, discutindo, conversando, ouvindo, muitos venham aqui dizer que seria uma grande irresponsabilidade, que o País chegou a isso por consequência de um governo, ou de uma governante. Isso chega a me surpreender, como se toda a responsabilidade fosse exclusivamente da governante", disse Leal.
Em 2014, o relator do projeto foi outro congressista que, hoje, é a favor do impeachment de Dilma: o senador Romero Jucá (PMDB-RR). "A alteração da meta de resultado primário afigura-se, antes de tudo, consequência de todas as decisões que já adotamos ao longo deste e dos últimos dois ou três exercícios", afirmou Jucá, ex-líder do governo, citando benesses dadas pelo governo como desonerações a empresários e políticas sociais.
OUTRO LADO
O deputado Hugo Leal (PSB-RJ) afirmou que a mudança da meta fiscal tem previsão legal e que a alteração de 2015 "escancarou" os números da dívida do país.
"A mudança não tem condão de dizer que estava correto o que foi feito antes", afirmou Leal lembrando que, diferentemente de 2014, em 2015 ele teve o apoio do ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy para expor o valor das pedaladas. "Não se tentou maquiar nada".
Marta Suplicy (PMDB-SP), que era do PT em 2014, nega mudança de posição e afirma que as votações "não convalidam os atos da Presidência" e que, se a mudança não fosse feita, "agravaria ainda mais a dívida pública e, na economia, os resultados seriam sobremaneira mais desastrosos".
Simone Tebet (PMDB-MS) disse que votou consciente em 2015 de que sua posição não apagaria os erros cometidos e para não prejudicar o país, posicionamento semelhante ao dos peemedebistas Dário Berguer (SC) e Garbibaldi Alves (RN).
Waldemir Moka (PMDB-MS) disse que em 2014 votou contra mas em 2015 foi a favor porque não havia, até o momento da votação, comprovação de que houvera fraudes fiscais e que apoiou o governo por causa do "fator Joaquim Levy" que se comprometeu a trabalhar com dados reais e transparentes.
Acir Gurgacz (PDT-RO), que discordou da posição do TCU de 2014 e aprovou as contas de Dilma na comissão de orçamento, disse que sua posição mudou em relação à governabilidade e não sobre os crimes. Para ele, pedaladas são cometidas por todos os governos, que o processo é político e que está a favor do impeachment para "aliviar o sofrimento do povo".
Fernando Bezerra Coelho (PSB-PE) diz que votou para ajudar o governo em um momento de "grande dificuldade financeira do país" e "em atendimento a um apelo da então equipe econômica do governo" mas que isso não produziu os efeitos "esperados", posição semelhante à de Valdir Raupp (PMDB-RO).
Rose de Freitas (PMDB-ES) afirmou que não cumprir a meta fiscal ou alterar a meta de resultado primário não é crime e por isso aprovou os projetos, o que para ela é diferente do que está sendo votado no processo de impeachment da presidente Dilma.
Ana Amélia (PP-RS) disse que ficou numa "escolha de Sofia e decidiu" por depositar "um voto de confiança no governo para não comprometer os pagamentos de hospitais nem repasses para educação, segurança e infraestrutura".
Procurados, os deputados Jovair Arantes e Eduardo Cunha não responderam. Os outros senadores citados também não retornaram.
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